24 de fev. de 2020

Sobre roupas e assédio




- A mulher foi assediada.
- Também com aquela roupa, o que ela querida?
- Uma moça foi estuprada.
- Também andando sozinha a noite o que ela queria?

Essas frases são comuns de ouvirmos infelizmente, a primeira então é a que mais ouço, como se a roupa de alguém fosse responsável pelo caráter da outra pessoa. Ao escrever esse texto me lembro que esses dias nas redes sociais vi uma polêmica que houve no Brasil de uma jovem que foi assediada em um carro de aplicativo, e quando a menina denunciou o motorista, ele alegou que fez isso por causa do short dela, e o pior, milhões de pessoas concordaram.  Infelizmente isso não é uma situação que acontece somente no meu país de origem, todas os países que tratam a mulher como coisa, que o machismo impera e que o homem acha que o corpo da mulher é propriedade dele isso acontece, e aqui em Moçambique não é diferente.

Antes de contar o que aconteceu comigo quero explicar como as mulheres aqui no Norte de Moçambique se vestem. Aqui tem um tecido chamado capulanas, que as mulheres sempre estão com ele sobre o corpo, normalmente usa como uma saia longa, coloca-se nos ombros e na cabeça. 80% das mulheres aqui sempre estão com o joelho coberto, e os ombros, estou há 6 meses aqui e nunca vi uma mulher passar por aqui de short curto. Eu sigo esse mesmo padrão, sempre ando com saias que tampe os joelhos e com blusas que cubram os ombros e quando vou a um ambiente religioso cubro a cabeça também. Se vou caminhar, uso calça legging por baixo de uma blusa bem grande.

Mas nada disso me impediu de vivenciar um assédio aqui. Um dia a tarde fui ao mercado central da cidade com mais duas amigas jovens moçambicanas, estávamos vestidas como mencionei acima, ninguém estava “indecente” e nem “mostrando” nada. Mesmo assim ao andarmos erámos tão assediadas que não pudemos continuar a comprar, em um dos momentos um homem segurou no meu braço e eu puxei com muita força e saí correndo. Isso me fez lembrar dessas frases horrorosas que lemos acima. O que eu fiz? O que minha roupa mostrava? Nada.

O assédio nas ruas acontece através das conhecidas cantadas. As meninas não ligaram tanto, mas eu me senti intimidada e com medo. Esse tipo de assédio pressupõe que o corpo da mulher é público, o que está completamente errado. 

Isso forma a cultura do estupro, nada mais é do que aquela ideia de que a mulher é sempre a culpada pelo assédio, seja pelas roupas que veste, pelo lugar que frequenta, pelas atitudes que toma. Essa ideia machista, que, geralmente, é passada de pai para filho, está enraizada em nossa cabeça.
É importante que mudemos a nossa mente e que tenhamos uma mente de Cristo, que nunca culpabilizaria uma mulher por ter sido assediada ou estuprada. Esse pequeno relato é para falar o obvio que a roupa de nenhuma mulher tem culpa de nada. Por que se fosse assim as mulheres moçambicanas não seriam estupradas e nem o Oriente Médio que 99% das mulheres usam Burca seria um dos lugares recordes de estupros feminino.

É preciso ter um novo olhar sobre a pessoa que é assediada ou violada e culpar quem realmente tem a culpa, o agressor.

Se você é uma dessas pessoas que já falou ou pensou essas frases, mude essa mente e não se preocupe em ensinar as mulheres a se vestirem, mas sim a homens entenderem que o corpo da mulher pertence somente a ela, e como uma pessoa ela deve ser respeitada, honrada e protegida e pode exercer seu direito de ir e vier, andar no mercado sem se preocupar e voltar a noite pra casa em segurança.

Pense nisso, compartilhe e mude sua mente.
Ana Costa
Moçambique